PBL no ensino jurídico: relato de uma experiência

30 de outubro de 2020 0 Por João Irineu

Como Professor de Direito há 17 anos pude presenciar a gradativa transformação tecnológica no ensino superior jurídico: quando comecei o material de estudo predominante era impresso e as aulas presenciais expositivas eram a principal técnica de ensino. Nos últimos anos, contudo, a universalização da internet, o surgimento de novas mídias jurídicas e o advento dos smartphones diversificaram as formas de ensinar e aprender Direito. A pandemia da COVID-19, por sua vez, impôs aos docentes a adoção de tecnologias e métodos de ensino cuja eficiência ainda estão sendo discutidas entre os profissionais da área.

Foi neste cenário que me deparei com a tarefa de ensinar Metodologia da Pesquisa Jurídica para os calouros do Curso Matutino da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Metodologia da Pesquisa Jurídica é uma disciplina importante para o desenvolvimento do raciocínio jurídico e essencial para aqueles que pretendem seguir carreira acadêmica na área jurídica. No entanto, não é uma disciplina que goze de muita popularidade entre os estudantes. Na minha opinião, isto se dá por três motivos: primeiro, seus pressupostos parecem muito abstratos mesmo para estudantes de Direito; segundo, as normas referentes à redação acadêmica são detalhadas e de difícil memorização; terceiro e, principalmente, os estudantes do primeiro ano estão ansiosos para aprender o que eles entendem por “Direito” e, por isso, tendem a se exasperar com as disciplinas gerais do início do curso. Tais motivos, somados às dificuldades relativas à própria proposta de uma aula remota em virtude da pandemia, levaram-me a buscar um método de ensino que melhor se adequasse ao uso de novas tecnologia e a atual situação de isolamento social, tendo em vista que os livre acesso a livros e aulas expositivas deixaram de ser opções viáveis.

Neste sentido adotamos o “Aprendizado baseado em Projeto” – Project Based Learning – conforme proposto pela Professora de Direito e Pedagoga Norte Americana Diane Lauer. Nesta proposta os alunos devem escolher um tema relativo à comunidade de seu entorno que os inquietam e desenvolver um projeto para enfrentar o problema social identificado. Os alunos do Curso Matutino montaram equipes para tratar de diferentes problemas sociais: a falta de consciência ambiental, a desigualdade no acesso a moradia, a desigualdade no acesso à educação, a desigualdade no acesso à saúde, a desigualdade no acesso ao trabalho e as condições de trabalho durante a pandemia. Conforme a proposta de Lauer, os temas, de natureza geral, precisavam ser delimitados para a realidade local e as soluções propostas deveriam ser executadas pelos próprios acadêmicos.

Assim, no desenvolvimento dos projetos foi possível tratar todos os itens do programa de metodologia referentes ao semestre, de forma aplicada dentro do projeto eleito pelas equipes. Para se desenvolver o projeto estudou-se desde técnicas de leitura e estudo até a distinção entre fontes de acesso ao conhecimento e sua sistematização. Tão importante quanto a técnica da disciplina, contudo, foi a oportunidade de exercitar junto aos alunos algumas das competências comportamentais imprescindíveis para o profissionais do direito na atualidade: propósito, proatividade, capacidade de trabalhar em equipe e resiliência.

Na organização dos projetos busquei uma metodologia que pudesse facilitar a interação do bacharel em Direito com profissionais de outras áreas: o chamado Canvas. O Modelo Canvas um mapa visual formatado de maneira que se permita a criação conjunta e colaborativa de um conteúdo organizado e apresentado de forma objetiva. Originalmente pensado para o desenvolvimento de produtos ou modelo de negócios, possui uma versão adaptada para projetos. A avaliação dos projetos desenvolvidos, nos termos do PBL de Lauer, foi dividida em duas partes, uma correção metodológica feita em sala de aula onde os itens do Projeto Canvas de cada um foram repassados, e, finalmente, uma validação dos projetos perante profissionais da comunidade com atuação relacionada aos temas dos projetos.

Na semana que passou tivemos o Ciclo de Validação dos Projetos junto aos profissionais da comunidade. Todos os onze projetos das duas turmas foram validados por um comitê de 5 profissionais especialmente escolhidos e que se dispuseram a avalia-los graciosamente. Os resultados superaram as minhas expectativas: todos os projetos são exequíveis, todos refletem uma inquietação social e um propósito, todos são o resultado de estudo e discussão interna entre os membros, todos estavam metodologicamente corretos.

Desta forma, escrevo este breve relato de experiência profissional para atestar que é possível pensar um ensino jurídico para a nova geração que valorize as características dos novos estudantes nativos digitais sem uma perda sensível na qualidade do ensino e preservando uma rotina de trabalho digna para o docente.